"A ausência de propostas realistas é disfarçada com uns laivos de exigência moral: restaure-se a autoridade na sala de aula, proclame-se que só se aprende com esforço e peça-se sangue, suor e lágrimas. A partir daí, tudo se torna fácil: os professores serão óptimos e os alunos excelentes, saberão decorar como coreanos e inovar como finlandeses, respeitarão a autoridade como em Singapura e usarão capital de risco como nos EUA."
Rui Tavares, Publico 7/10/2006, dísponivel online no blog Pobre e mal Agradecido
Mais uma vez na sua crónica o Rui Tavares foi certeiro. Expôs aquilo que é de facto um fado nacional, que é o pessimismo e negativismo subjeacente às propostas reformistas. O princípio é simples: Tudo está mal, tudo tem de ser mudade. Acho que a frase estará próxima do popular "Isto vai ter de levar uma grande volta". A qualidade das propostas é medida pela dimensão da volta. Quanto maior, melhor.
Nunca nada está bem, porque nunca esteve.
Ontem estive uma reunião sindical no Politécnico de Tomar. Está bom de ver a situação que a reforma no Ensino Superior colocou uma grande quantidade de pessoas. São pessoas e não números, ou qualquer entidade abstracta. Pessoas que têm vidas, filhos, contas para pagar, responsabilidades como qualquer de nós. Para a maioria (esmagadora maioria) o final do seu contrato não representa só o desemprego. Representa também a inexistência de qualquer fonte de subsistência no momento imediatamente a seguir ao final do contrato. Não têm direito a qualquer subsídio de desemprego, vivendo na mais absoluta precariedade.
Eu não sei se têm consciência do que é ser despedido. É já de si uma situação difícil onde somos deparados com um falhanço, que encaramos como nosso. Perguntamo-nos o que fizemos de errado. Passamos a uma situação em que tentamos recuperar, procurando outras soluções. O subsídio de desemprego é a almofada que nos separa de uma situação social de desepero.
Estas pessoas não têm almofadas. Chocam com a realidade em que de um momento para o outro não têm qualquer fonte de subsistência.
E perante esta situação dramática choca-me um comportamento nacional que é o puxar para baixo. Faz-me sempre lembrar aquele sketch do Gato Fedorento em que duas velhas concorrem para ver qual a que tem a maior doença. No caso, existe sempre que venha dizer que também ele está numa situação precária, como muitos, que "é a vida", "habituem-se". Aliás o sketch exacto porque expõe o ridículo deste comportamento é o do filme "A vida de Brian" em que Brian na prisão e à beira de ser crucificado é chamado de privilegiado por um outro prisioneiro mais velho que está na cela ao lado.
O ataque à classe docente está a ser desencadeada utilizando esta imagem do privilegiado. Numa sociedade com baixa qualificação, os docentes são ainda vistos com o mesmo ódio de classe com que se olhava perante o Sr. Doutor, no tempo do salazarismo. Nesse tempo a posição representava a ligação com o regime e logo o privilégio. O próprio desprezo com que a classe privilegiada pelo regime olhava para o resto da população ajudou a establecer o classismo. Esse mesmo classismo continua a ser um dos maiores problemas da sociedade portuguesa. Não creio que o discurso do privilegiado ajude a por fim a este problema, bem pelo contrário.
Num post anterior referi como me parece incrível que hoje o ataque aos direitos fundamentais se mascare de luta pela liberdade e igualdade visando o fim do privilégio. O modo como se usa o termo é...
Sem dúvida quando se quer reformar do zero é para esse mesmo zero que avançamos.
No Ensino Superior não é bem para zero. É para um. Quem está atento sabe que o protocolo com o MIT represente exactamente esse um. Privilegiado????
P.S. Mais uma nota. No preciso momento em que escrevo este post a RTP1 passa a notícia da greve nacional. Primeira reportagem: os alunos não tiveram aulas, os pais a trabalhar...
A razão da greve não interessa. Os problemas que ela causa é que são notícia. Mensagem clara "Quem trabalha é que é prejudicado pelas greves". Inocente????
quinta-feira, outubro 12, 2006
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1 comentário:
Compreendo a preocupação com os despedimentos no ensino superior.
Mas será que não há aqui um certo comportamento acertado por parte do ministério da educação?
Será que não vale a pena fechar os politécnicos com inferior qualidade de ensino?
Como é possível que o Instituto Politécnico de Tomar, aqui citado, continue a ter professores que apenas com licenciaturas são directores de departamentos ou coordenadores de cadeiras, departamentos sem nenhum professor doutorado, ou até casos em que professores (ou tachos como quiserem chamar) apenas com um bacharelato dão aulas à Licenciatura de um curso.
Penso que porventura é preferível fechar estes estabelecimentos de ensino do que seduzir alunos que por desconhecimento aí concorrem e depois se deparam com um ensino medíocre, com professores injustos e um sistema de tal forma enraizado em que nada podem fazer para mudar o rumo da sua vida estudantil. Acreditem, e falo isto com conhecimento de causa que há alunos, e bons alunos deste instituto politécnico que desistem dos seus cursos porque já não suportam a incompetência por parte dos docentes e por quem os deve controlar, para já não falar dos órgãos de gestão da instituição que pelo menos nestes anos nunca se viram a funcionar bem.
Pois bem, tenho muita pena dos funcionários não docentes destas instituições, tenho muita pena dos docentes que estão interessados verdadeiramente em leccionar e cumprir a sua função. Mas desculpem concordar que é preferível fechar algumas escolas do que continuar a enganar alunos que apenas vão perder valiosos anos da sua vida "enrolados" em instituições de ensino superior incompetentes, onde o docente faz o que bem entende menos dar aulas e incentivar o aluno.
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