sábado, julho 03, 2004

Sophia

Retrato de uma princesa desconhecida

Para que ela tivesse um pescoço tão fino
Para que os seus pulsos tivessem um quebrar de caule
Para que os seus olhos fossem tão frontais e limpos
Para que a sua espinha fosse tão direita
E ela usasse a cabeça tão erguida
Com uma tão simples claridade sobre a testa
Foram necessárias sucessivas gerações de escravos
De corpo dobrado e grossas mãos pacientes
Servindo sucessivas gerações de príncipes
Ainda um pouco toscos e grosseiros
Ávidos cruéis e fraudulentos

Foi um imenso desperdiçar de gente
Para que ela fosse aquela perfeição
Solitária exilada sem destino


Sophia de Mello Breyner Andresen

sexta-feira, julho 02, 2004

Arqueologia do Saber

Exercite-se no hipertexto. Leia o post anterior e depois siga...
para aqui.

A arqueologia é reflexão. Quem pensa sobretudo em Pá e Picareta (pincel e colherim) lamento mas pensa mais em operariado do que em operacional e pouco se torna operatório.

Por isso Hodder falou em processo arqueológico. Reflexão, raciocínio, exercício em que não existe dualidade prática/teoria!!!

Arqueólogos Teóricos, mas de que é que estamos a falar?
A Teoria não é em si uma prática, baseada e desmultiplicada em múltiplos actos?

Valorzação, recuperação = produção social de significados. Simulações mais ou menos inconscientes do mundo da implosão. Estórias, mais ou menos da carochinha.

Operariado da industria do património Uni-vos! Despertem!!!

Bem vindo ao mundo em que a máquina do tempo é o mito. Não existe retorno!!!
É verdade vivemos numa ditadura: o tempo.

Através do passado podemos é construir o futuro. Foi isso para alguns a ideia que os moveu no Côa, poderia ter sido isso o Guadiana.
É o escolher de outra via, projectar no passado o futuro, sempre com base no presente. Não há fuga ao presente.

Como Focault entendeu tão bem aquilo que é a arqueologia, propondo-a como elemento a ter em conta para a produção de saber.

Reflexão, raciocínio, diálogo livre e aberto.
Está aí alguém????

A chamada "mesquinhez" do mundo arqueológico é um fenómeno natural de um lugar que é, como muitos outros, essencialmente um exercício de poder. Cada um joga com o que pode.

Denunciar a arqueologia da simulação, não é a destruição! É quanto muito constatar a implosão.

Até lá continuem a produzir o "Big Show Tiques", as "wonderlands" do passado, o que o publico quer, o que a massa deseja (seja esta cifrões e/ou multidões).

Alguém se arrisca a falar? A interpelar? A Dialogar???
Como é possível que face a demonstrações de inteligência, apresentações de reflexões se fique mudo e quedo?
Que demonstração de mediocridade! A mesquinhez está sobretudo aqui!
A ignorância (indiferença) face ao outro apenas demonstra a ignorância e o medo que impera em si mesmo!

Para quando a Arqueologia do Saber???

Arqueologia Social

A expressão "sociedade" sempre me fez lembrar a canção dos Taxi "Chiquelete":
Mastiga
Deita Fora
Mastiga
Deita Fora
Ah meu rico Baudrillard e a produção social do signo!!!!
Nunca detestei nem o sistema, nem a sociedade. Nunca fui revoltado, rebelde, etc.
A definição matemática de Revolução e os estudos estocásticos do Poincaré elucidaram-me muito sobre o que é isto da sociedade e da suposta rebeldia que exige a "morte do pai".
A Arqueologia social é mais um simbolo da implosão. Produção hiper-real de significados, que perdem a sua magia à medida que a escola de Frankfurt fez os seus estragos e que o Bruce Trigger mostrou a sua visão da história do pensamento arqueológico.
Contextual, Marxista, Processual, eis a fuga taxonómica, classificação do pensamento que resultou do chamado despertar teórico.
O hiper-real manteve-se, é um fenómeno do mundo onde vivemos.
A obsessão pela produção de conhecimento salta por cima de um qualquer Kuhn.
Cá vai mais uma: Homo Produtivus.
Mas que obsessão esta a produção. É algo tão natural, tão... (diria humano, mas seria falso).
Alguém leu o Ingold??? Já viram que não existe dicotomia recolecção/produção??? Viver é produzir, nem que seja CO2.
O papel social da arqueologia...

Produzir Produzir Produzir

Máquina louca esta.
Durante uns dias salvaguardei-me. Retirei-me para o mosteiro.
Li, reflecti e comecei a construir um texto. O que vêem no post anterior é um excerto do que sairá publicado.
É um momento de exercicio que não se coaduna com a colocação diária de pensamentos. É o chamado parar para pensar.
Como me dizia o meu amigo VOJ, "Isto de blogs não é bem o que eu pensava. Fundamental era ter um sítio onde se guardasse o fundamental do pensamento, as ideias que nos surgem por vezes e não uma espécie de diário" (todos os erros de citação são por inteiro culpa minha).
Realmente o produzir um texto decente requer uma reflexão e introspecção profunda. Tempo! Tempo!
Escrevo no meio de toneladas de trabalhos e frequências para corrigir.
Produção do conhecimento às toneladas ou simples transferência tipo copiar/colar de um outro lugar qualquer.
Dois dias antes de mais uma campanha em Castanheiro.
Que bem que me souberam estes dias no qual a noite foi amiga e foi bem melhor conselheira que a almofada.

Papel Social e Arqueologia

A arqueologia nasce da inevitabilidade da realidade não ser estática, mas dinâmica. Procura descobrir a herança que ficou. Baseamo-nos em estudar monumentos (lugares de memória), figuras de uma mnemónica perdida, que procuramos recuperar.
Mas que memória é esta? O produto humano (tudo o que advém das suas acções) é um rizoma. Não é estático. É um conjunto de linhas que se vão unindo com mais ou menos força sobre a forma de uma rede, que está sempre a mudar. Os chamados arqueólogos olham convictamente para o fóssil de uma parte do rizoma e procuram descobrir que realidade é que lhe deu origem.
O ir à procura da génese (neste caso da realidade, daquilo a que chamamos de passado) é tão fundamental como o de reflectir quotidianamente sobre aquilo que andamos a fazer.
Contamos cacos? Somos especialistas em saber como é que eram feitos líticos? Somos meros estudiosos do “Savoir fair”, “know how” “modus operandi”? Somos o “coca-bichinhos” do que restou da realidade passada?
No fundo, limitamo-nos à realidade material, porque descobrimos que não podemos passar dela? Ou queremos dar o salto? Queremos saber quem somos, de onde vimos, para onde vamos?
Esta é a aparente dicotomia entre o oito e o oitenta, que se manifesta entre a aparente distância entre o material e o imaterial.
Aquilo que é a formação de cada um leva-nos a questionar sobre o papel social que cada desempenha. Somos úteis à sociedade? Teremos de ser úteis? Temos essa necessidade?
Nos dias que correm parece-me que à medida que nos confrontamos com novos comportamentos, somos levados a pensar que a utilidade de cada um morreu. Vivemos.
Já que dispomos de mais meios do que nunca, então desfrutemos deles.
Afirmemo-nos então perante aquilo que somos: Construtores de realidades passadas. Acreditemos na possibilidade de a peça existir no mausoléu (museu) apenas por si.
Não é uma dicotomia, é uma realidade. Como no Louvre, onde se assiste a pessoas que fazem uma adoração/reflexão sobre uma peça, um artefacto, um icone. Procuram o que ela lhes transmite, como quem olha para uma obra de arte.
Tal como na corte Médicis. O movimento do Quatroccento nasceu essencialmente de uma procura de objectos de adoração/reflexão, que pelo poder que tinham em si tornavam-se objectos de desejo, de consumo, de poder.
O Renascimento existe perante uma sociedade conflitual, de luta, de poder. O objecto é um elemento de semântica, reforça e interage com a sociedade em que nasce.
É curioso que é também por culpa deste movimento que nos tenhamos virado mais para o passado. A Antiguidade e as suas peças passaram a fazer parte deste jogo, desta realidade. A Primavera de Boticceli convivia com as figuras mitológicas gregas e romanas. O passado era mais um ícone, mais uma forma de poder. Ao mesmo tempo torna-se um imaginário, um lugar mítico, que vai sendo descoberto pelos estudiosos, que o revelam peça a peça como na reconstrução de um puzzle. Possuir o passado é ter poder, legitimo, herdado.
O Património, é esse legado dos Patrias ancestrais, revelação manipulada nos mais diversos sentidos, da opulência sublime barroca ao ténebre “lembra-te ó Homem de que és pó e ao pó às de voltar!”.
Há muito que controlamos aquilo que pensávamos ser incontrolável: a imaginação.
O discurso arqueológico foi desde sempre um discurso de poder, de controlo, de produção de imaginação(...)