terça-feira, outubro 17, 2006

Uma geração qualificada



Foto de grupo de alunos formados em Ciências Biológicas da Universidade de Singapura
Fonte: Departamento de Ciências Biologicas, Universidade Nacional de Singapura

O artigo é de Julho, mas vem a propósito. O seu titulo é : "Gerir uma escola do ensino superior em Época de crise"
É um retrato extremamente lúcido pela voz de um Director de uma Escola Superior.
É da autoria de Manuela Vaz Velho e pertence à página do João Vasconcelos Costa, que apesar de ter opiniões com as quais eu não concordo é sem dúvida uma pessoa que segue de perto a realidade do Ensino Superior em Portugal.
Após este artigo é fácil concordar com a sua autora: A convivência diária com a realidade do Ensino Superior é sem dúvida de tirar o sono.
Eis um extracto:

"É difícil gerir uma instituição nestes tempos e desta maneira, e o mais fácil é descartarmo-nos das peças mais frágeis, que são os docentes com contratos a termo há vários anos, os chamados equiparados; estes são a maioria, pelo menos na minha escola, porque o alargamento do quadro do pessoal docente, há muito pedido, nunca mais chega. E será difícil que chegue agora, quando o número de alunos tem vindo a diminuir. Por isso, todos os anos, à medida que os alunos diminuem, vamos tentando manter a instituição à custa da saída destes docentes. Muitos destes são agora doutorados, o que implicou um enorme investimento pessoal e institucional, e a maior parte deles só está vocacionada para exercer actividades de docência e investigação, sendo difícil conseguirem trabalho fora destas áreas. Mas também quantas empresas portuguesas podem absorver com dignidade estes quadros academicamente tão qualificados?

O pior de tudo é que não há subsídio de desemprego para investigadores e docentes do ensino superior. Este direito que assiste a qualquer trabalhador fora da administração pública, e que já é considerado para os docentes dos ensinos básico e secundário, não chegou ainda ao ensino superior. Os docentes nesta situação de desemprego involuntário não têm, como qualquer outro trabalhador, esta garantia mínima de viverem com dignidade enquanto procuram um novo trabalho. Para um gestor pós-moderno, frio e eficiente, é tudo uma questão de números e se os docentes são supérfluos, provavelmente o facto de terem ou não subsídio de desemprego não lhe afecta o sono, mas para uma docente como eu ou qualquer outro docente que faça parte da direcção de uma escola do ensino superior, já não é assim. Há um ano atrás foi fácil fazer as contas e, face ao défice orçamental e à previsão da diminuição do número de alunos, colocarmos no plano de actividades da escola, para o corrente ano, o número de ETIs a reduzir, mas quando se aproxima a data da não renovação dos contratos, estes ETIs tornam-se pessoas, são colegas com os quais convivemos durante anos, e é cada vez mais difícil conciliarmos o sono."

Fonte: Reformar a Educação Superior

A solução do momento para este problema são os contratos renováveis por 5 meses. Algo que já foi aplicado em vários Politécnicos e que brevemente vai chegar a Tomar.
É a flexibilização do mercado laboral à moda do Ensino Superior. Isto em teoria (e penso que em breve na prática) permite inclusive poupar um mês de salários (Agosto). No ano seguinte o contrato começa mais cedo e deve possuir uma duração de seis meses, prorroga-se por mais 5 e assim andamos.
Acho que não preciso de me pronunciar sobre a legalidade de tudo isto.
Da parte das direcções de Escola o argumento é que assim evitam despedimentos. Creio que é uma espécie de antecâmara até que a pessoa saia. Não acredito que ninguém são mentalmente queira viver assim. Um contrato de seis meses renovável na iniciativa privada, ainda que pior remunerado é mais atractivo. Alguns irão emigrar uma vez que as suas qualificações não fazem sentido num país como o nosso. Eles foram formados para ser algo que já não é possível: docentes qualificados no Ensino Superior.
Há uma geração que se perdeu com o défice.
Quem entrou a tempo na carreira, ainda que pior qualificado, vai ficar por lá. Alguns farão doutoramentos expresso de três anos e assim contribuíram para que determinados cursos não fechem.
O passo a seguir parece ser o das fusões entre Politécnicos e de Politécnicos e Universidades. Não sei até que ponto alguns conseguiram subsistir sozinhos com dez licenciaturas, numa estrutura que antes teve 30 ou mais.
Quando tudo isto terminar o Ensino Superior ficou muito mais leve. Deixou de ser um peso para o Estado.
Finalmente os impostos irão baixar. O custo... uma geração qualificada.

Nota: Este é o cenário antes da entrada do próximo Quadro Comunitário de Apoio. Não sei porquê tenho o pressentimento que a dita aposta na formação vai levar a uma explosão de pequenos cursos de formação por todo o lado. O que aconteceu com os dinheiros do Fundo Social Europeu vai ser uma brincadeira de garotos comparados com o que se aproxima. Para esta vaga de desempregados qualificados isto vai representar a oportunidade de sobreviverem. E assim andaremos cantando e rindo.

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