Se há uma coisa que me tem vindo a dar que pensar é sobre a atitude que uma pessoa pode ter quando está perante um acontecimento científico público (tipo mesa-redonda, conferência, congresso, etc).
Uma das coisas que mais impressão me faz, sempre que acontece um destes acontecimento é a participação.
Geralmente, após a apresentação do perito (pessoa que se dirige à audiência e que se pressupõe que detenha o poder que lhe advem, por sua vez, do conhecimento) à espaço para o debate ou para que se levantem questões. E é então que passa a reinar um silêncio confrangedor, de acordo com aquilo que parece ser uma regra tácita.
Todos ficam mudos. Porquê? O que leva a que as pessoas não perguntem não intervenham?
Sempre achei que tal atitude era uma falta de respeito perante o orador. Demonstrava falta de interesse que poderia derivar de inumeras razões, mas que terminava em alguém sozinho "em palco", um pouco estupefacto.
Reparei que muitos dos que me estavam próximos tinham esta atitude. Resolvi fazer uma pequena sondagem e verifiquei que as principais razões eram:
- não dominar a matéria
- ser-se timido
- não haver nada a acrescentar
Do mesmo modo a opinião dominante desta amostra sobre as pessoas que levantavam questões no final era de que:
- queriam protagonismo
Parece-me que todos estes pontos são passiveis de ser rebatidos, nomeadamente porque sou um crente nas vantagens do Dialogo sobre o Monologo.
Perguntar ajuda a que se compreenda melhor o que foi exposto. É uma oportunidade única de interagir com alguém que acabou de investir sobre um tema. Se alguém acabou de ouvir uma exposição e acha que não domina a matéria, bem o melhor é tentar ver em que coordenadas se situa, tentar tirar a cartografia à coisa, com o pouco que se sabe.
É um pouco estranho que num público de arqueologia ou pré-história nínguem domine a matéria sobre o que é o Neolítico ou outras questões que vão à base.
Por outro lado se alguém ouviu alguém e isso não lhe suscitou dúvidas, interrogações ou ideias, é porque ou provou taxativamente o que pensava ou então, não entendeu nada de nada.
Pior ainda é a atitude da acusação de protagonismo. Numa sociedade classista como é a portuguesa, esta acusação é uma arma arremessada contra todo aqueles que se mexa. É a imposição do estilo "burro calado...." e "pouqinho a pouquinho se tece o caladinho" (expressão que acabei de inventar mas que serve para o propósito).
Sempre me senti só nos debates cá no burgo. Sempre fui o chato de turno, que não deixava a coisa acabar mais cedo e que se punha para lá a perguntar.
Tive sorte em poder participar em conferências no exterior e de ter estado durante um ano a estudar lá fora. Parecia o mundo virado do avesso.
Muitas vezes pergunto-me como seria se este virus da não interrogação chegasse ao jornalismo. Já se imaginou o que era a Conferência de imprensa em que os jornalistas se acotevelavam, acanhados e dizendo em voz baixa uns para os outros "Pergunta tu", "Não, não. Pergunta tu." perante um ministtro que já sorria por sair sem que nínguem o questionasse sobrte o escandalo do momento.
Sempre que vejo conferências de imprensa, entrevistas e mesmo as Flash Interview, admiro o modo como as perguntas vão sendo feitas, ficando satisfgeito quando o jornalista vai lá ao sumo e pergunta aquilo mesmo que nós estavamos a pensar.
Deveremos começar a trazer jornalistas profissionais para que tal aconteça. É que podem dizer que eles não fizeram uma licenciatura na área em questão, mas sempre, sempre, fazem perguntas, questionam-se, interrogam.
Será que em Jornalismo há a cadeira de Entrevista 1 ou Conferências de Imprensa I e II?
Mas as coisas não são estáticas e hoje já me sinto mais acompanhado. Devo-o ao actual 1º ano de Arqueologia do Porto.
Nas últimas iniciativas, lá tem estado aquela malta, a questionar, a perguntar, a ajudar na tarefa de construir conhecimento. E sim são alunos do 1º ano!!!
É assim mesmo malta! Força! Não desistam!
Quanto ao discurso fascista-totalitário da não opinião, não reacção, não questionamento, só tenho a dizer que o conhecimento constrói-se de opiniões que vão amadurecendo.
Uma pessoa que nunca teve uma opinião na vida, dificilmente irá mudar, e se nunca a demonstrou e a guardou com avareza para si, então é como se não a tivesse. Faz lembrar aquela personagem do Eça (O Pacheco) que era tão avara de ideias....
Maleficio viria era se a opinião fosse obstáculo à construção de saber, se não desse espaço a outros. Não me parece que seja isso que aconteça aqui.
E se for disparate... quem nunca disse um que atire a primeira pedra.
quinta-feira, janeiro 06, 2005
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2 comentários:
Ora aqui está um belo 'post', Gonçalo. Só tenho um reparo a fazer. É verdade que por cá muitas pessoas mostram-se demasiado "acabrunhadas" e inibidas em conferências e debates públicos, dando tantas vezes origem a esses silêncios embaraçosos. Mas há também um outro fenómeno recorrente - e tipicamente português - que me desagrada sobremaneira: aquelas pessoas que utilizam o tempo reservado às *questões* para fazerem a sua própria conferência... Será que isto não é igualmente uma atitude de desrespeito para com o(s) conferencistas e para com o público? E não revela também uma atitude monológica? Se já assististe a conferências lá fora - esp. em países anglo-saxónicos - saberás certamente que existe muito pouca (ou nenhuma) tolerância para com este tipo de atitudes. Um conhecido meu chama-lhe, com alguma razão, a falta de cultura cívica portuguesa na sua versão académica. Mudá-la seria, já em si, uma pequena revolução... ;)
DK
Obrigado DK, sobretudo por teres tido a paciência de leres tudo isto ;)
De facto o que tu falas é também um problema. Contudo é um mal menor. Acho que a verdadeira revolução começaria pelo empenho na participação efectiva nestas coisas (não é para elogiar-te, mas um pouco como tu fazes).
É com muito prazer que começamos a deparar com uma pessoa da área de literatura inglesa que fazia perguntas em iniciativas de arqueologia. Sem medo. :) Depois foi só dar um passo para a interacção.
É assim que se produz. Oxalá existissem mais pessoas assim.
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