Sempre me pareceu que na área à qual me dedico existe uma paixão secreta, imaginária por uma figura mítica: o Arqueólogo de campo.
Trata-se de alguém que reúne um pouco de vários mitos.
Imaginariamente desloca-se por vastidões de terreno, procurando esses restos míticos de um passado mais ou menos distante.
É o contacto com o campo, com a realidade, fora do espaço urbano.
Alguém que avança coberto de pó, só ou em equipa, com o sorriso aberto de quem contacta diariamente com a natureza.
É tão mítica a figura que penso que só poderia ser igualável ao famoso imaginário do arqueólogo-busca-tesouros, do qual o Indiana Jones se tornou um ícone.
Todos nós (inclusive eu em parte) temos um apreço especial por esta figura. É como se fosse a encarnação viva do desejo de todos: viver completamente a “full time” a profissão de arqueólogo.
Aqueles que detêm esse luxo acabam por mirar com certo desdém para os “Académicos”. Pobres diabos, que escavam quinze dias a um mês, por ano e que depois se debruçam sobre o resultado dessa campanha durante o resto do tempo que lhes sobra.
Estes graças à vaga teórica que assolou o campo da arqueologia, são vistos como uma espécie que habita num limbo. Desse lugar vão ditando uns escritos cá para baixo, os quais vão sendo consumidos pela ralé mortal.
A relação entre o arqueólogo de campo e o académico é a projecção imaginária de uma luta de classes, entre o proletário e o patrão.
Nas mais variadas conferências a que assisto, bem como noutras actividades públicas do meio, lá vamos assistindo a este confronto.
Ele reflecte a nossa pobreza, firmada na dialéctica marxista, dualista que ainda domina o nosso modo de pensar.
Trata-se no fundo de mais uma divisão criada num seio de uma sociedade classicista, em que cada um necessita ardentemente de justificar o seu papel.
Serve como um modelo pelo qual vamos trabalhando, acreditando mais na “prova material” ou no “trabalho teórico”.
Dá que pensar sobre o que é trabalhar em arqueologia. É assim tão diferente???
Sem comentários:
Enviar um comentário