Bosch, Hieronymus: Haywain, 1485-90; oléo sobre painel (tríptico); El Escorial, Monasterio de San Lorenzo (ou Prado, Madrid), fonte: http://www.ibiblio.org/wm/paint/auth/bosch/haywain/
A motivação de competir, de ter um lugar de trabalho precário, de estar em constante sobressalto está de facto na ordem do dia. Aliás essa natureza humana só foi episodicamente interrompida pelo sonho “calão” de um Estado Social, no qual as pessoas poderiam usufruir de bem-estar, vivendo num modelo social diferente, contrário à natureza humana, que conduz à evolução pela competição.
Uma visão desse paraíso motivador é a Idade Média. Do camponês ao senhor feudal, todos estavam motivados, através da competição pela sobrevivência, numa época de condições duras, sem que tais condições estivessem de modo nenhum ligado às relações sociais que privilegiavam a manutenção de um status quo.
Quando Hieronymus Bosch pintou esta sua visão do paraíso, estaria por certo ofuscado pela bruma dos dias, não compreendendo a vantagem competitiva da motivação pela sobrevivência. Se o paraíso estava ali na terra, na competição, na valorização pessoal de se ser premiado, por ser o melhor, o sobrevivente (afinal segundo a evolução é sempre o melhor que sobrevive, ou estará a evolução errada?). Porque a pintou ele no céu, face a um mundo de loucura, desregrado. Se viviam numa Idade d'ouro? Se havia uma lei que se assumia perante todas as outras: a lei do mais forte? Como poderia isso conduzir à loucura?
Quando há anos Vasco Pulido Valente afirmou que vivíamos num mundo perigoso, nunca pensei que pudéssemos chegar ao estado actual. Infelizmente não auguro bons tempos adiante. Quando recentemente falava com uma amiga indiana, que trabalha em engenharia informática, compreendi o testemunho em primeira pessoa do que é esta globalização. Por um lado alguns sonharam com as praias nas boulevard de Paris, ignorando (in)conscientemente que esse mesmo sonho era alimentado por um desequilíbrio mundial. Por outro lado vejo que esta mudança teve por base uma escolha. A escolha do capital, que preferiu a mão-de-obra barata, mas extremamente qualificada (notem como estas duas coisas passaram a conjugar-se, quando antes pareciam opostas), em vez da engenharia bem paga formada no MIT. Mas nem tudo o que parece é, e o MIT tornou-se ele próprio uma empresa, da qual saem quadros que formam outras empresas. Á Europa do estado social restou o papel de ser atropelada, ao não saber reagir. E agora reage a reboque, procurando implementar o: modelo de sucesso.
A nivelação faz-se por baixo. Como numa teoria de vasos comunicantes, a riqueza flúi agora noutros sentidos. A geração dos “privilegiados” terminou.
Na sociedade da simulação, é notória a fuga para o desejo, cúmulo metafísico, hoje paraíso terrestre (Bahamas, Ocidente, lugares míticos).
A fluidez arrasta tudo e quem parar para reflectir será arrastado e penalizado sob a pressão da lei da sobrevivência (o inevitável estalo da realidade).
O capital fluído não permite nem aos mais capitalizados esmorecer, pois parar é morrer, é ser ultrapassado. Este é o mundo do empreendimento e o premiado é o “entrepreneur”, vulgo empresário.
Quem não está com a evolução, está contra a evolução. É o pessimista.
Nunca fui um “homem de esquerda” e não me revejo na atitude elitista do “bem pensante”. Mas quando o mundo dá uma guinada assim, quando vemos a matriz que se instala de um modo evidente tapando qualquer caminho que não seja o da sua vontade, quando uma simulação se assume como única e totalizante, na mesma época em que todos os meios estão ao alcance, em que a rede é o paradoxo que escraviza e liberta, é impossível não olhar e ver, que existem de facto outros caminhos, que nunca serão totalmente livres, porque tudo é matriz, mas temos de reclamar para nós o poder de fazermos a matriz que queremos, que nos será melhor, na consciência de que felicidade não é no céu existe, e mesmo aqui na terra e estabelece-se em momentos fugazes, virtuais, que gostaríamos de ver como eternos.
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