quinta-feira, março 01, 2007

Going Riga



Foto: Evita Alle

Demorei algum tempo antes de publicar algo sobre a Letónia.
O que posso dizer da Letónia é que é um país em que me imagino a viver e viver é a palavra em que mais pensei nestes dias.
Já estive em vários outros lugares. Já vivi mesmo alguns meses nesse imenso mundo que é o estrangeiro :) Quando conheci a Itália pensei que era um país interessante para viver, dado que tinha modos de vida muito semelhantes aos nossos e tem o Sol e o mar...
Porquê então um país pequeno, com uma economia frágil, frio...
Fiquei muito marcado pelas pessoas. Pela sua amizade e sensibilidade. Não são de grandes gestos, mas cada pequeno sorriso, cada pequena oferta, mostra a enorme generosidade misturada com um modo de estar... educado (desculpem mas é a única palavra que me ocorre). Há uma certa inocência, mas ao mesmo tempo deparei-me com situações, mesmo profissionais que mostram que de facto na Letónia as pessoas são diferentes.
E ao mesmo tempo são tão semelhantes. Conversando no interior de uma pequena habitação, numa vila que era um antigo Kolkhoz, vi que de facto as pessoas são iguais na sua generosidade e atenção, no seu modo de vida caseiro. Lembrei-me muitas vezes de estar na mesma situação, a mesa com os bolinhos, o chá, em tantos locais diferentes. Lembrei-me de Freixo de Numão, da Serra da Boa Viagem... mas a recordação vai até outros locais como Nouakchott na Mauritânia.
Recebem-nos em casa, conversa-se. No caso recordações do tempo de Estalin, Krutshchev, Brejnev. Os prémios ao melhor trabalhador, as medalhas do 1º de Maio, contados por quem viveu de facto essa realidade, que para nós estava escondida por detrás do Muro.
Lembrei-me de coisas tão simples como o de olhar para aquela avó e lembrar-me da enorme distância a que ela está da minha e no entanto...
Uma viveu Estaline, a outra Salazar, mas ambas falam dos seus maridos, da família, do tempo que já era.
Sempre vivi fascinado pela experiência de vida. Sempre achei fantástico as histórias de cada um e como se misturam com a história do mundo. É impressionante como a nossa vida é o nosso mundo e como o tempo é afinal essa história feita de vida.



Olhando da janela do autocarro contempla-se Riga. Como todos os dias cruzamos a margem, para trabalhar do outro lado. A senhora de chapéu vermelho contempla o vazio de costas para a cidade. O rio gelou e a neve está por todo o lado. O troley faz o seu caminho anunciando as paragens: "Nakama Pietura...". Estamos a chegar. A realidade do dia-a-dia não se conforma com os mitos. O vodka é para os Russos (algo que em Letão é pouco abonativo, pois os russos são os mal-educados, espalhafatosos, excessivos, algo que condiz mal com o modo de ser recatado da Letónia). Está frio e em Celsius estão graus negativos. Mas no interior do café, ao sabor dos crepes, está sempre quente. É sempre assim no interior das casas. Está sempre quente e as pessoas usam sorrisos nos lábios. Por vezes devem correr-lhes lágrimas, mas essas tendem a guardá-las num baú qualquer (chamam-lhe intimidade). Os dramas e as comédias são coisas do cinema. A vida não é assim. Não é dura nem fácil, é.
É a vida...


(este post foi despertado por um post do Vítor que está no Trans-ferir e de uma imagem que ele lá constrói em que fala de um autocarro e que me despertou a memória desta foto).

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