
Valentin de Boulogne ou Nicolas Tournier, São Paul escrevendo as suas Epistolas
Fonte:
Wikipedia"O véu das mulheres - 4*Todo o homem que reza ou profetiza, de cabeça coberta, desonra a sua cabeça. 5Mas toda a mulher que reza ou profetiza, de cabeça descoberta, desonra a sua cabeça; é como se estivesse com a cabeça rapada. 6Se a mulher não usa véu, mande cortar os cabelos! Mas se é vergonhoso para uma mulher cortar os cabelos ou rapar a cabeça, então cubra-se com um véu.
7*O homem não deve cobrir a cabeça, porque é imagem e glória de Deus; mas a mulher é glória do homem. 8Pois não foi o homem que foi tirado da mulher, mas a mulher do homem. 9E o homem não foi criado para a mulher, mas a mulher para o homem. 10*Por isso, a mulher deve trazer sobre a cabeça o sinal da autoridade, por causa dos anjos. 11*Todavia, nem a mulher é separável do homem, nem o homem da mulher, diante do Senhor. 12Pois, se a mulher foi tirada do homem, o homem nasce da mulher, e tudo provém de Deus.
13Julgai por vós mesmos: será decoroso que a mulher reze a Deus de cabeça descoberta? 14E não é a própria natureza que vos ensina que é uma desonra para o homem trazer cabelos compridos, 15ao passo que, para a mulher, deixá-los crescer é uma glória, porque a cabeleira lhe foi dada como um véu?
16Mas, se alguém quiser contestar, nós não temos esse costume, nem tão-pouco as igrejas de Deus. "
Carta de S. Paulo aos Coríntios, 11, 4-16
Há quem pense que os valores do Ocidente são muito diferentes. Há quem queira fazer valer uma imagem que assente apenas na pluralidade, na concórdia, na compreensão. Bom, receio que esse Ocidente nem sempre existiu. Para quem não sabe os véus que as senhoras usavam para ir à Igreja tinham uma razão de ser. Essa razão está aqui expressa por Paulo.
Há quem diga que a Igreja Católica se tornou na Igreja de Paulo e é por essa razão que se tornou dogmática fechada, enclausurada em Paulo.
Não era este o capitulo desta carta que eu queria trazer aqui, mas deparei-me com ele e era impossível escapar.
E a minha pergunta é: Numa sociedade contemporânea, marcada pelos valores da igualdade pode a Igreja Católica defender os valores de Paulo. Deverão ainda as mulheres ir à Igreja de véu?
Eu sei que já passou a onda do referendo. Ainda bem. Poderiam pensar que este post teria a ver com o assunto do aborto. Mas não tem. Para mim a discussão desse assunto faz parte de uma discussão muito vasta.
Supostamente neste referendo existiam dois lados, um que seria o dos valores e outro que seria o do vale tudo.
Este foi um erro que determinadas ortodoxias não compreendem. A sociedade liberal possui valores mas deslocou-os para a esfera do individuo. Na sociedade liberal, os valores são da ordem do pessoal e do intimo. Mas será mesmo assim? Será que os valores podem de facto passar para uma esfera unicamente pessoal?
Será que podemos ser absolutamente livres nas nossas escolhas? Poderemos ser absolutamente incondicionais?
Perdoem-me a inocência da pergunta, mas como muitos outros autores (cujos nomes não me apetece citar), penso que perguntas simples podem revelar-nos questões extremamente complexas.
Cada individuo parte de princípios, mas poderão esses princípios ser absolutamente seus? Serão na medida em que ele os escolheu e os adaptou, mas terá ele sido absolutamente impermeável ao que o rodeia? O que nos faz escolher? O nosso Egoismo?
O que nos leva a um outro conjunto de questões:
Estaremos cada um de nós orgulhosamente sós? O que queremos nós do Outro? Como nos relacionamos com esse Outro? Como a Corte que nos adora e que ali deve estar quando precisamos? Projectamos no Outro as nossas carências afectivas pelas quais psicanaliticamente culpamos os nossos pais? Até quando faremos o papel do filho mimado que não compreende que o mundo não vive para ele?
O mundo existe e é nele que vivemos. Somos ser-no-mundo, ser-aí. Este ser não é o individuo, é a pessoa, a pessoa humana.
Se sabemos que cada Homem não é uma ilha, se sabemos que qualquer sociedade tem valores, que a estrutura condiciona a acção tal como a acção condiciona a estrutura a questão é: Que valores fazemos nós hoje? Quais são os valores que partem de nós?
O egoísmo e o individualismo que marcam a sociedade de hoje são um marco de uma sociedade capitalista que educou os seres nesse sentido. A psicanálise muitas vezes desculpa esse individualismo cedendo a culpa a outrem. Projectamos e nessa projecção satisfazemos o alter-Ego dando mais um passo para ceder aos seus caprichos. Somos a marioneta dele e desse outro nós identificado como Id, a pulsão. A culpa vai morrer longe.
O liberalismo soube como dissolver a culpa, o capitalismo aproveitou-se disso fazendo render a lei do desejo. Mas mesmo assim tenho a impressão que ela continua a existir dentro de cada um, como em Crime e Castigo de Dostoievski. A febre assola-nos todos os dias e todos os dias tomamos a aspirina para não nos sentirmos culpados.
A escrita de Paulo é o produto de um homem torturado pela culpa. A sua solução foi uma espécie de tortura absoluta de Ego; um domínio da vontade absoluto que serviria essencialmente como expiação. Como em qualquer pessoa a biografia ajuda a explicar a tortura de Paulo. Espero que a morte lhe tenha dado descanso.
A culpa faz parte de nós. Aceitá-la não passa por banalizá-la ou por projectá-la. Talvez passe por fazer esse enorme exercício de vida que se chama aprender.
Como costumamos dizer em português: É a vida... (não é desculpa, é a vida)