segunda-feira, dezembro 04, 2006

Não Discutir II - Não ter medo



Manifestação da oposição democrática (1958)
Fonte: You Tube

Perante todo o clima que existe hoje em Portugal vejo o regresso do medo. Testemunhei-o directamente enquanto delegado sindical. Perante o cenário de despedimentos as pessoas preferem tapar os ouvidos, fechar os olhos, tapar a boca. Como se uma arma estivesse apontada à sua cabeça e a sua única reacção fosse encolher-se muito e de olhos fechados pensar "Oxalá não doa muito".
O comportamento é ridículo por duas razões, primeiro porque que eu saiba ainda vivemos numa democracia, segundo porque da mesma experiência depreendi que o medo era absolutamente infundado e devia-se a uma razão estrutural que vem do tempo destas imagens. Um país com medo é um país medíocre. Nesse mesmo país medíocre os sindicatos são vistos como algo parecido ao modo como o regime salazarista via a oposição democrática: arruaceiros.
Este é sem dúvida um país fechado que as pessoas com medo não querem abrir. Não querem abrir porque temem que venha quem é melhor, quem saiba mais, quem possa fragilizar o seu poder…
À medida que as Universidades iam fechando as suas admissões, alguns dos que tinham qualidade foram encontrando espaço noutras instituições. O azar de uns foi a sorte de outros. O sítio onde trabalho possui uma história assim. Lentamente foi-se construindo um departamento com gente capaz, com potencial e qualidade (neste momento quase todos defenderão a sua tese de doutoramento ainda este ano). Aconteceu o mesmo com as empresas de arqueologia, muitas formadas por pessoas extremamente capazes e de enorme potencial.
Ouvi dizer que na FLUP os alunos manifestaram-se contra as reformas de Bolonha por este vir a ser o fim da arqueologia por lá. Para quem conhece o esforço que a escola do Porto desenvolveu para montar um projecto sério, isto parece incrível.
O que antevejo como cenário para a arqueologia no Ensino Superior não parece nada de bom. Sentados no seu lugar confortável muitos nunca ligaram à importância das redes europeias, à contratação de gente inovadora, etc etc. Quanto muito importaram-se por conseguir mais poder. Outros com vontade viram-se manietados pelo lastro. Agora...

6 comentários:

Regina Nabais disse...

Vim visitar o seu blog (que não conhecia), e acheio-o muito interessante, porque racionaliza as questões de uma forma algo nova e diferente.
Considero a sua teoria "do medo de discutir" uma possibilidade efectiva.
Tenho, no entanto, uma dúvida: "vivemos mesmo em democracia?", talvez estejamos a sobreviver a "corporocracias diversificadas", mas democracia? Penso que ainda não.
Vou voltar mais vezes, para podermos discutir... Pode ser?
E,...Parabéns pelo blog e também porque tem ideias próprias - requisito básico da democracia.

Gonçalo Leite Velho disse...

Obrigado Regina.
Essa ideia das corporocracias diversificadas parece ser de facto apropriada. E tem feito muito mal nomeadamente ao Ensino Superior. Faz algum sentido que os cursos sejam creditados pelo Ministério e depois não sejam creditados por uma qualquer Ordem. O sentido é sempre o mesmo controlar, pelo medo, de modo a que não haja excesso de oferta no mercado (podia baixar as remunerações em certos sectores habituados a serem intocáveis). A desculpa é velha, esfarrapada e falsa: a qualidade.
Quem tem de assegurar a qualidade é o Ministério e as Instituições de Ensino Superior.
Quanto mais escavamos, mais vemos que de facto o Estado Corporativo ainda existe entre nós.

Sergio Pereira disse...

Em relação a arqueologia, já são muitos os anos que venho lutando a contra o terrorismo académico que os professores exercem, o preconceito pelas novas ideias, o medo que os "Papas da arqueologia" possuem de terem as suas teses revistas sob uma nova óptica, etc.
O pior de tudo é observar que mesmo com o passar dos anos, nada mudou… e a nova geração esta pouco ligando para isto.
Enfim… como num velho ditado que se utiliza muito lá pelas terras Sul-americanas.
“Quem nasceu para lagartixa nunca chega a Jacaré”

Gonçalo Leite Velho disse...

A verdade é que não tenho visto própriamente trabalhos que ponham em causa a ordem establecida. Vejo muitos trabalhos a replicar a arqueologia de sempre, pelos mods de sempre.
O medo não é apenas do Senhor Professor. O medo é o do Outro, dos Outros, da opinião geral. É a ditadura do rídiculo, establecida por agentes mesquinhos, que usam o gozo como arma. Há um clima de Inquisição em que a fogueira arde com sorrisos e piadas. Continua a existir esse prazer sádico de ver o outro a arder, satisfazendo asssim a inveja.
A liberdade e o seu exercício exige resitência, nomeadamente psicológica.

Joaquim Baptista disse...

Os alunos deviam protestar pelo facto de serem obrigados a pagar 200 euros semanais para serem admitidos a escavar na escavação dos sotores. Sinceramente baixaram na minha consideração.

Anónimo disse...

Não Discutir III. Ter medo II?