segunda-feira, setembro 25, 2006

O "road show"


Fonte: http://www.vishnujana.com/Road%20Show2.htm

Fazemos aqui uma pausa no relato da visita a Inglaterra para abordar um assunto despertado pelo programa Grande Reportagem, emitida pela SIC ontem, relativo ao desemprego entre os doutorados.

A reportagem foi muito bem elaborada, com depoimentos de elementos de varias áreas.
Foi claro que o desemprego nos doutorados não é exclusivo da área da Letras, ou das Humanidades.
Dos casos apresentados não deixei de fixar dois pelo seu especial significado: um doutorado em Engenharia Química e uma doutorada em Engenharia Têxtil.
Em ambos os casos existia uma aplicabilidade dos seus trabalhos na inovação industrial. Esse facto não foi no entanto o suficiente para evitar o seu despedimento. Posteriormente, nenhuma firma contratou estes desempregados altamente qualificados e com experiência.
O testemunho da doutorada em Engenharia Textil é impressionante. Está disposta a executar qualquer trabalho, não qualificado, de modo a assegurar o seu sustento e o da sua filha de 2 anos. A não qualificação acabou por seu o seu destino apesar do longo percurso académico. Creio mesmo que é o futuro a que grande parte desta geração está destinada.
Muitos falaram em emigrar e não estamos a falar da Ucrânia, Moldávia, ou qualquer outro país de leste, cuja mão-de-obra altamente qualificada, tem de sobreviver a qualquer preço. Estamos a falar de portugueses, muitos dos quais tiveram o contributo do Estado com uma bolsa que pagou em parte a sua formação. Dinheiro que os contribuintes portugueses pagaram, para apostar numa via de inovação e desenvolvimento. Uma via de futuro, pensada num cenário de Europa Ocidental.

Esta mesma via foi proposta nas últimas eleições pelo partido agora no poder: apostar na inovação tecnológica e cientifica como factor de desenvolvimento. O "choque tecnológico" foi manchete, bem como as visitas à Finlandia.
Passado ano e meio após as eleições o tema é sobretudo a redução do défice orçamental e o saneamento das contas publicas.
As Universidades e os Institutos Politécnicos, os Laboratórios do Estado, todos estão na mira da redução da despesa, utilizando-se os mais variados argumentos. Essencialmente: O Estado não pode esbanjar os seu recursos e estes devem ser aplicados em investigação de elite. É um argumento falaccioso, mas não é essa falacia que queremos abordar aqui.
Há no entanto que fazer justiça e atribuir mérito quando o há. O Ministério da Ciência e Tecnologia tem actualmente um programa de inserção de doutorados nas empresas. Vamos ver como vão correr as coisas. Sinceramente as minhas esperanças são reduzidas, mas o governo acertou na medida, procurando estimular a inovação com este programa.

Nesta mesma semana assistimos às manchetes com a iniciativa "Compromisso Portugal". A palavra de ordem foi algo como: "menos Estado, menos impostos".
Convido os leitores a lerem com os seus próprios olhos as propostas desta iniciativa . Alguma semelhança com determinadas pontos do governo socialista (como o ensino do inglês) não creio serem mera coincidência.
No ensino a aposta é na "secundarização", ou seja, o ensino profissionalizante, a melhoria do ensino secundário, etc.
Sobre o ensino superior temos em primeiro lugar a questão do financiamento (utilizador/pagador), surgindo depois uma referência sumária à necessidade de ligar Universidades e Empresas.
Cito (e notem que se trata apenas deste último ponto referente à ligação):

"As escolas e universidades públicas devem ser
incentivadas a procurar outras fontes de
financiamento para além das do Estado, sendo-lhes
nesse caso atribuída verba adicional por este
calculada com base numa percentagem das receitas
externas adicionais obtidas.
Deve estimular-se as escolas e universidades do Estado
a realizarem pelo menos uma vez por ano “road show”
junto das principais empresas e instituições da região
onde se inserem, apresentando os seus projectos e
obtendo opiniões sobre as necessidades existentes."

A parceria é então: procurar dinheiro e fazer um "road show".
Penso que se tornou claro qual o modelo de desenvolvimento que o empresariado português afecto a esta iniciativa preconiza.
Não existe inovação como factor de desenvolvimento. A qualificação (e por arrasto a qualidade) não está aqui presente. O modelo é o mesmo de sempre. Aos baixos salários acrescentou-se os baixos impostos como factor de redução dos custos de produção.
A inovação, a qualificação não são atributos ligados a este tecido empresarial português. A sua imagem do que é a Universidade é expressa na sua caricata proposta: um “road show”. É esta a sua ideia de parceria e desenvolvimento
Espero que o governo socialista perceba finalmente quem são estes seus amigos, que tanto querem ajudar na redução do défice, que querem a reforma do “welfare state” (expressão que consta no dito programa da iniciativa) e que querem também o inglês nas escolas (certamente para ajudar todos a compreenderem melhor certas “tags” aqui aplicadas).
A iniciativa baseava-se, segundo dizem alguns media, na frase de J F. Kenedy “Não perguntem o que a América pode fazer por vós, perguntem-se o que vocês podem fazer pela América”.
Se o seu objectivo era responder ao desafio “Não perguntem o que Portugal pode fazer por vocês, perguntem-se o que vocês podem fazer pelo Portugal” erraram completamente. Os senhores empresários quiseram dizer ao Estado o que ele podia fazer por eles (e logo por todos, segundo o seu ponto de vista). Demonstraram que de facto o que estão a fazer pelo país resume-se a pedir que o Estado “emagreça” para que possam pagar menos impostos e assim a economia possa crescer. “Business as usual”.
.
O que é que se proposeram eles próprios a fazer? Qual o seu compromisso com Portugal? A pergunta torna-se retórica ao ler o documento.

A visita do Presidente da Republica a Espanha pretende mostrar uma imagem de um Portugal dinâmico, virado para a inovação e para o desenvolvimento.
O paradoxo, irónico e mais uma vez caricato, é Portugal querer mostrar esta imagem ao país da União Europeia que tem apresentado as melhores taxas de crescimento e um verdadeiro desenvolvimento. O segredo… toda a Europa já o sabe: inovação e aposta na qualificação superior.

Parece-me que neste nosso “road show” existe apenas alguém que acaba a encenar para (e a enganar-se a)... si mesmo.
Infelizmemente o mundo é implacavel perante este nosso espetáculo. Perante tudo isto afirma:
- Obrigado. Next!

Resta saber em que localidade este nosso "road show" irá atacar de seguida.
Não haverá outra maneira?

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