A arqueologia nasce da inevitabilidade da realidade não ser estática, mas dinâmica. Procura descobrir a herança que ficou. Baseamo-nos em estudar monumentos (lugares de memória), figuras de uma mnemónica perdida, que procuramos recuperar.
Mas que memória é esta? O produto humano (tudo o que advém das suas acções) é um rizoma. Não é estático. É um conjunto de linhas que se vão unindo com mais ou menos força sobre a forma de uma rede, que está sempre a mudar. Os chamados arqueólogos olham convictamente para o fóssil de uma parte do rizoma e procuram descobrir que realidade é que lhe deu origem.
O ir à procura da génese (neste caso da realidade, daquilo a que chamamos de passado) é tão fundamental como o de reflectir quotidianamente sobre aquilo que andamos a fazer.
Contamos cacos? Somos especialistas em saber como é que eram feitos líticos? Somos meros estudiosos do “Savoir fair”, “know how” “modus operandi”? Somos o “coca-bichinhos” do que restou da realidade passada?
No fundo, limitamo-nos à realidade material, porque descobrimos que não podemos passar dela? Ou queremos dar o salto? Queremos saber quem somos, de onde vimos, para onde vamos?
Esta é a aparente dicotomia entre o oito e o oitenta, que se manifesta entre a aparente distância entre o material e o imaterial.
Aquilo que é a formação de cada um leva-nos a questionar sobre o papel social que cada desempenha. Somos úteis à sociedade? Teremos de ser úteis? Temos essa necessidade?
Nos dias que correm parece-me que à medida que nos confrontamos com novos comportamentos, somos levados a pensar que a utilidade de cada um morreu. Vivemos.
Já que dispomos de mais meios do que nunca, então desfrutemos deles.
Afirmemo-nos então perante aquilo que somos: Construtores de realidades passadas. Acreditemos na possibilidade de a peça existir no mausoléu (museu) apenas por si.
Não é uma dicotomia, é uma realidade. Como no Louvre, onde se assiste a pessoas que fazem uma adoração/reflexão sobre uma peça, um artefacto, um icone. Procuram o que ela lhes transmite, como quem olha para uma obra de arte.
Tal como na corte Médicis. O movimento do Quatroccento nasceu essencialmente de uma procura de objectos de adoração/reflexão, que pelo poder que tinham em si tornavam-se objectos de desejo, de consumo, de poder.
O Renascimento existe perante uma sociedade conflitual, de luta, de poder. O objecto é um elemento de semântica, reforça e interage com a sociedade em que nasce.
É curioso que é também por culpa deste movimento que nos tenhamos virado mais para o passado. A Antiguidade e as suas peças passaram a fazer parte deste jogo, desta realidade. A Primavera de Boticceli convivia com as figuras mitológicas gregas e romanas. O passado era mais um ícone, mais uma forma de poder. Ao mesmo tempo torna-se um imaginário, um lugar mítico, que vai sendo descoberto pelos estudiosos, que o revelam peça a peça como na reconstrução de um puzzle. Possuir o passado é ter poder, legitimo, herdado.
O Património, é esse legado dos Patrias ancestrais, revelação manipulada nos mais diversos sentidos, da opulência sublime barroca ao ténebre “lembra-te ó Homem de que és pó e ao pó às de voltar!”.
Há muito que controlamos aquilo que pensávamos ser incontrolável: a imaginação.
O discurso arqueológico foi desde sempre um discurso de poder, de controlo, de produção de imaginação(...)
sexta-feira, julho 02, 2004
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