sábado, novembro 04, 2006

O passado foi lá atrás? (Parte I)



Fonte: Transporta

"A carga pronta metida nos contentores
Adeus aos meus amores que me vou
P'ra outro mundo
É uma escolha que se faz
O passado foi lá atrás
"

Xutos e Pontapés: Contentores

Neste momento estou a escrever uma parte da tese que tem haver com o tempo e a temporalidade em Castelo Velho. As ramificações do tema são imensas. O que é a relação entre passado, presente e futuro? Será que estes termos existem exactamente assim?
Mas não é bem esse o tema que queria explorar aqui (afinal convém que uma tese seja fundamentalmente inédita :) ).
A ideia que me fez escrever este post é outra e prende-se da relação da arqueologia com o passado. Afinal o prefixo "Arche" remonta exactamente para esse sentido remoto: a origem.
Por essa mesma razão a arqueologia é a narrativa que responderia um pouco à questão "quem somos?" e muito à "de onde vimos?". E é a partir daqui que se construiu todo um edifício que vai até à menina Dikita, que aparece sorridente como um bebé humano na capa da National Geographic. Ela é a origem de todas as crianças humanas, segundo reza a peça.
Por vezes esta busca pelo passado assume contornos que claramente já são de outro tempo como o recente email que surgiu no Archport (3/11)2006) relativo à origem dos britânicos.
Mais de 100 anos depois do Evolucionismo e apesar de toda a crítica, ainda há quem procure trilhas genéticas, semi-lineares, que desembocam muito perto de raças (para alguns lê-se povos, mas isso não tira em nada o racismo presente). Descobrir as origens é uma missão desempenhada com afinco e abnegação (abnegação que leva a que não se assumam, nem se questionem determinados problemas). Afinal na linha do tempo se A vem antes de B e este vem antes de C, então A está na origem de C.
E depois entram mitos como os Celtas e as suas origens, que remontam ao Paleolítico e a genética, estudo certificados por linguistas que são depois integrados em pretensões mais ou menos nacionalistas (façam uma busca por Francesco Benozzo e vejam já agora também a veiculação por parte dos media galego da notícia de um estudo deste senhor de que a Galiza era o berço do povo Celta no Paleolítico, notícia essa que foi depois difundida por listas de emails, foruns, etc).
Afinal agora sim sabemos, os antepassados da D. Lorena Rodriguez Perez residente em A Rua, Ourense, era Celta, logo ela também o é por afinidade sanguínea (afinal os seus olhos verdes não traíam essa descendência).
Existe uma paixão por estes mitos de origem, certificado com a qualidade de estudos científicos. Os primeiros povoadores da aldeia mais remota, da cidade mais antiga, datados com uma precisão de C14.
Para mim nunca deixou de ser curioso o modo como nos lugares que conheço os antepassados são conhecidos como os antigos. Eles são uma espécie de entidade ausente e presente. Não são completamente o avô e a avó. São os antigos, os do antigamente, que podem ser os de há 100 anos (diziam os antigos que isso...) como dos de há 4.000 (ah! isso foram os antigos que construíram). A escala do tempo não existe. É simplesmente um passado presente.
Existe o tempo dos mouros que cobre tudo o que é muito antigo, mas não há propriamente datas nem anos.
Lembra-me do caso de um colega do tempo de Coimbra, que numa prospecção tentava explicar ao dono da propriedade que se tratava de um povoado do Bronze Final, algo à volta de 750 a.C. O senhor olhava para ele e logo exclamou "Ah, isso então foi antes de Jesus Cristo! É mesmo antigo!". O meu colega não percebeu que o tempo para este senhor não era o mesmo que para ele. Afinal o tempo, mesmo que medido no mesmo calendário, pode ser muito diferente.

1 comentário:

Gonçalo Leite Velho disse...

Obrigado pelas palavras Seraph.
No fundo acho que é é também a reflexão sobre que tipo de passado é que estamos a construir que deve estar sempre presente.
Devemos sempre questionar aquilo que fazemos como uma espécie de avaliação própria do nosso desempenho.