A frase do David Clark (1968) ainda soa nos ouvidos.. Ela reflecte contudo dois movimentos paradoxais, uma força centrípeta e outra centrifuga.
Talvez a que tenha saído mais reforçada seja a primeira forma. Hoje os arqueólogos centram-se sobretudo na sua prática. Continua a haver uma enorme curiosidade pela técnica e método arqueológico.
Isto levou também a algum exagero por parte de alguns mais entusiastas (tanto que por vezes que chegam a parecer fundamentalistas).
Aí passamos a ter o realce mítico de determinadas figuras,: o campo, as botas, a picareta. Imaginário falseado que oculta um trabalho muito mais abrangente.
Esta mitologia possui os seus vilões (o arqueólogo barrigudo, o arqueólogo que não se quer sujar, o tipo que nunca escavou na vida) e os seus heróis (basicamente o arqueólogo de campo).
A prática manifesta-se por uma espécie de concurso pela Descoberta. Será esta que move a ciência e em particular a arqueologia. A descoberta é a chave que abre o caminho para o passado. É como que um palco que vai sendo progressivamente iluminado por uma série de focos, que se acendem à vez.
Podemos falar então correntemente de um paradigma da descoberta. Tudo é orientado para descobrir. Mas descobrir o quê?
A resposta parece ser óbvia: o resto material do passado. Uma materialização efectivada pela estação e pelo artefacto. O prémio desta arqueologia da descoberta éencontrar o novo, a luz mais forte e mais recente, a prova que ajuda a complementar o quadro de conhecimentos.
Trata-se de um resto da Idade Moderna, do espírito do coleccionismo e do Antiquarismo. Busca-se o elo perdido, a peça fundamental, a descoberta fantástica. É o vestígio da época das explorações.
Este é como dissemos de inicio o movimento extremo de uma arqueologia que se volta para o seu centro, e que avança cada vez mais para dentro de si. Há mais elementos que se podem enquuadrar neste movimento, mas para ilustrar a ideia e de modo a tornar este texto breve (afinal isto é um blog), fiquemos por aqui.
Ao mesmo tempo temos um movimento centrifugo, que avança sobretudo numa direcção externa. Talvez o sintoma mais extremo desta arqueologia tenha sido o que se apelidou como arqueologia contextual ou pós-processual, no que se baseou essencialmente como uma mudança rumo à Teoria.
A força centrifuga empurrou alguns numa procura desenfreada pela filosofia, pela epistemologia. Desenvolveram-se inúmeros trabalhos de arqueologia teórica, que passavam por uma série de referências que seriam exteriores à disciplina.
As caricaturas residem nos dois extremos. Mas dicotomizar é sempre perigoso.
Não vamos fazer aqui o discurso da conciliação das arqueologias. Até porque o achamos redutor e perigoso. Talvez faça mais sentido também aqui passar por uma estratégia de obviação (vide Ingold 1998).
Tal estratégia é uma obra de futuro. Não cabe no que é apenas uma pequena chamada de atenção num blog.
Já ouvi várias vezes a frase de Abel Salazar "Quem só souber de Medicina, nem de Medicina sabe". Parece-me que todos nós devíamos ter isto em conta. As pontes (ou as redes) estão aí para ultrapassar as fronteiras. Mas ao mesmo tempo esquecer o que a arqueologia tem de mais rico e interessante seria também um erro.
O que me apaixona em arqueologia é o modo como podemos ligar-nos com um sem número de questões, que envolvem o passado, o Homem, o Meio, no qual podemos aplicar um sem número de técnicas.
No meu caso em concreto desde cedo que aliei duas paixões diferentes: os chips e a arqueologia. De tal modo que não vejo dissociações. Quando agora partir mais uma vez para Freixo de Numão (Vila Nova de Foz Côa), lá levarei mais uma vez uma parafernália de objectos ditos tecnológicos. Para mim fazem tão parte daquela realidade, como o colherim, o carrinho de mão ou a picareta.
O trabalho em Castanheiro do Vento desenvolve-se com vários instrumentos, que vão desde a estação total, passando pela câmara fotográfica (agora digital) até ao célebre kit do colherim, balde, pincel, pá, tesoura.
Mas também sei que o que envolve este objectos é apenas a técnica. São elementos de trabalho. Não são o fim em si.
O trabalho desenvolve-se de vários modos, nomeadamente nas conversas de almoço e jantar.
É uma realidade total, no sentido durkheimiano. Algo que é complexo e que envolve uma riqueza que vai da descoberta da estrutura até à leitura de bibliografia exterior.
Bibliografia:
Clarke, David L. 1968 Analytical archaeology. London: Metheun.
Ingold, Tim 2001 From complementarity to obviation: on dissolving the boundaries between social and biological anthropology, archaeology and psychology, in S Oyama, P E Griffiths and R D Gray Cycles of contingency: developmental systems and evolution, Cambridge, Mass.: MIT Press, pp.255-279
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