sexta-feira, junho 24, 2005

Acelerar para não sair do mesmo lugar

Para além de sentir uma certa claustrofobia face ao movimento centrípeto que abordei no texto anterior, existe um outro fenómeno que me preocupa e que penso ser altamente condicionador: a formalização do discurso arqueológico.
Trata-se de um fenómeno que se manifesta na estruturação dos estudos, na ilustração, na mensagem e nos meios aliada à dita focalização absoluta no resto material.
É um mecanismo de controlo total muito de acordo com a sociedade Gutenbergiana. Não é qualquer um que faz um livro. Este implica uma série de conhecimentos que vão do pensar, ao escrever e por fim o imprimir. Estes não estavam ao alcance de todos.
Da mesma forma a arqueologia da era do livro exigia que se formalizasse o discurso de um modo cientifico, analisando tudo segundo um método minucioso.
Não sei se por condicionalismos do meio ou da era, o que é certo é que se reconhecia que também era necessário explicar, o que vem a dar origem a um paradoxo actual.
É como se existissem dois mundos separados. Um aborda de um modo extremamente rigoroso o resto material da presença humana. Outro ruma à fantasia, numa replicação das melhores bandas desenhadas sobre a antiguidade (clássica ou não).
Sempre achei curioso como face a descrições tão minuciosas, complexas e completas se seguiam hipóteses e explicações tão simples.
O mundo era habitado por seres tão românticos que poderiam ter saído de um livro de Alexandre Herculano.
Durante todos estes anos os pré (e proto) históricos vestem-se de um modo muito similar. Uns à melhor fashion Flinstone, outros ao melhor estilo Conan o Bárbaro.
Eu sempre gostei do estilo criativo como as personagens deste último livro eram criadas, mas sempre achei curioso os pés de barro de todos estes quadros e sobretudo a incoerência de descrever ao milímetro uma estrutura, para na mesma obra a povoar de candidatos a Conan.
Hoje há claramente um fenómeno de reprodução do discurso, onde já é difícil ver onde está o ovo e para onde fugiu a galinha. Quero com isto dizer que (por exemplo) não sei se as ilustrações que pairam sobre os museus actuais são um objectivo de transmitir uma mensagem, dita cientifica, traduzida numa fábula ou se esta está de tal modo intrincada já na imaginação de todos que a mensagem cientifica é já em sim uma rábula.
È sem dúvida extraordinário que se vejam monografias completas, que visam estabelecer uma tese sobre um assunto, ocupadas com um discurso formal de descrição exaustiva, seguindo uma forma pré determinada. Os desenhos seguem uma norma padrão que não é de todo quebrada. A tintagem com o jogo branco e negro, a representação segundo determinados princípios universais, tudo isto resulta como um espartilho que não é de todo do interesse da melhor comunicação.
Na idade do pró-consumidor (alguém que produz os seus próprios conteúdos de um modo livre) esta barreira torna-se um obstáculo que forçosamente se vai ultrapassar.
O cineasta Jean Rouche dizia que a câmara de filmar era uma arma. Sendo assim, hoje a metralhadora é o multimédia.
O multimédia é a hipótese de utilizar “vários meios” numa confluência de fluxo de informação em que se conjugam diversas entidades, e em que a forma final é sobretudo a de imagens em movimento (um texto que vai rolando no ecrã, acaba por se transformar numa destas múltiplas imagens).
Temo no entanto que a arqueologia da era da informação seja a utilização desta multimédia para a reprodução do mesmo de sempre. Não sei como se poderia quebrar este círculo vicioso. A aceleração leva à caricaturização.

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