quinta-feira, novembro 30, 2006

Não discutir



Discurso comemorativo dos 10 anos do 28 de Maio.
Fonte: You Tube

A tradição de Não Discutir vem de longe na sociedade portuguesa. O hábito de dialogar, confrontar, discutir não possui raízes. Basta ir por exemplo a um qualquer congresso e ver o que se passa por lá.
Por vezes até mesmo entre amigos é difícil ter reuniões em que as pessoas contribuam com algo efectivo. A noção de interlocutor não existe.
Isto também faz com que as pessoas não saibam discutir. Muitas vezes confunde-se o discutir assuntos com provocações pessoais, ataques e naturalmente que tudo acaba por degenerar num conflito pessoal, quando a conflituosidade se remonta ao plano das ideias.
Assim em Portugal estamos muito pouco habituados a que o comportamento dos intervenientes seja sério ao longo de todo o debate, com a apresentação de ideias claras. Ainda menos habituados estamos a que essas ideias tenham de facto estudos por detrás, sendo apoiadas, centrando-se o discurso sobre as vantagens e desvantagens dos modelos propostos.
O programa Prós e Contras da semana passada foi disso exemplo. O debate demonstrou que os seus organizadores não estiveram à altura, mostrando-se a moderadora (Fátima Campos Ferreira) pouco preparada e abusivamente tendenciosa.
Um debate não é um espectáculo de circo, mas quando a organização pretende ter público parece estranho que o silencie, sobretudo com o argumento da falta de tempo. A própria escolha do elenco do debate se mostrou ruinosa. Foram excluídos os representantes dos Politécnicos, quer em termos de representantes dos alunos, quer de direcções, os sindicatos… enfim.
A escolha do elenco mostrou também que o debate tinha um propósito e que as feridas causadas pela governamentalização do projecto MIT, Carnegie Mellon ainda não se encontram saradas (os excluídos têm esse enorme hábito de não se conformarem, como se demonstrou pelo comportamento de alguns reitores).
Só num país em que não há debate é que um programa como "Prós e contra" pode ser considerado como um momento alto de televisão. Se acham que serviu para um debate sério sobre o Ensino Superior...
Isto não significa que os seus intervenientes não sejam sérios e que não tenham ideias. António Nóvoa, Mariano Gago, Adriano Moreira e muitos outros são pessoas com calibre intelectual, mas não é apenas isso que faz com que as suas ideias sejam boas. A qualidade vem da qualidade das propostas e não apenas da postura (esta devia ser o denominador mínimo comum).

Achei muito interessante como passou a ideia de que apesar do aumento do número de alunos, apesar da diferença para o nosso vizinho do lado, continuamos a ter necessidade de emagrecer o Ensino Superior.
Mais interessante ainda achei o modo como passou a ideia anteriormente difundida por Alberto Amaral (antigo reitor da Universidade do Porto) de uma agenda escondida em Bolonha, que levaria as Universidades para o Norte da Europa ficando o Sul reduzido à formação de técnicos. Nem o mais liberal dos empresários se lembraria de tal mas a resposta à mensagem foi o silêncio.
O argumento mudou. Já não é o deficit, já não é a relação oferta-procura, é estratégico: possuir uma Universidade entre as melhores da Europa. Ou seja tudo o que existe será sacrificado para que possamos ter uma instituição decente, uma instituição de nível europeu, possuidora de capacidade financeira e de recursos humanos que ombreiem com a mítica Cambridge e Oxford. O PCP com o seu comunicado apenas ajudou à festa (como se hoje -e sempre- a elite não fosse formada por Universidades de status).
A ideia da instituição portuguesa de elite começa a surgir no horizonte e todos naquele debate sabem-no e a maioria defende-o (só quem não sabe é que não percebeu que a zanga entre Adriano Moreira e o Ministro tem a ver com o CNAVES e não tem nada a ver com este modelo, que Adriano validou sábiamente ao falar da necessidade estratégica e que o que António Novoa pretende é que a Universidade de Lisboa se torne nessa mítica Cambridge portuguesa).

No discurso do "Não discutimos" Salazar demonstra que foi graças a esse príncipio que se edificou um determinado Portugal. Esse Portugal é infelizmente parte do problema do Portugal de hoje, mas onde termina a "Pesada Herança" é tema de uma longa discussão.
Só alguém que desconheça o que é o Ensino Superior em Portugal e o seu percurso ao longo de séculos (relembro que a Universidade de Coimbra é das mais antigas da Europa e a frase de Antero de Quental de que ela só daria luz no dia em que fosse consumida pelas chamas) poderá pensar que a solução se encontra com a magia de um propósito comum. Esse propósito comum, mobilizador da Nação... bem ouçam o vídeo.
Como todos sabemos esta centralização irá dar lugar apenas a que uma dada elite que possui o poder num conjunto muito restrito de instituições (fundamentalmente uma: a Universidade Técnica de Lisboa e o seu Instituto Superior Técnico) se possa posicionar para ficar com este bonito bolo. Só alguém que não entende o impacto económico e social que têm as várias instituições de ensino superior por todo o país é que pode pensar que centralizar é positivo.
O tempo do "Não Discutimos" parece estar de volta e até os personagens parecem ser estranhamente os mesmos.

(continua)

4 comentários:

Anónimo disse...

tem "a ver" e não "haver" (a posição de Adriano Moreira e o CNAVES)

Gonçalo Leite Velho disse...

Obrigado dk.
Neste momento na 2 o entrevistado (Prof. Joaquim Azevedo – Membro do Conselho Nacional de Educação) propunha um modelo de gestão para as escolas secundárias assente em objectivos.
É curioso como isso desapareceu da imagem do Ensino Superior, tal como desapareceu a autonomia.
Era um modelo interessante e muito melhor do que esta ideia peregrina da Cambridge portuguesa. Dessa ideia sempre me pareceu de ressalvar uma única questão: o gestor. É que se ele é nomeado pelo Estado... bem, já saberíamos com o que contar.
Mas também quem é que mandou as Universidades manterem como regime a mediocridade, criando barreiras à contratação de pessoal qualificado e com alto potencial? Quiseram manter os seus círculos de poder e isso agora poderá levar a que percam tudo face a um círculo de poder mais elevado.

Gonçalo Leite Velho disse...

O amigo anónimo (a) mostrou que de facto o post não é excelente. Quanto muito é bom. Tem um erro de português de palmatória (passei pelos vistos por demasiadas reformas na educação - o espírito reformista...).
Corrigi. Obrigado.

Anónimo disse...

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